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Cantinho de Olho | por Gustavo Rosal


(É importante dizer: o celular está, agora, em minha mão direita, exatamente apoiado sobre os dedos indicador e maior de todos).

Estou rindo - rindo distraído -, levemente, em minha cama, de um memezinho qualquer. Levanto-me para beber água na cozinha. Preciso checar um horário no celular. Mas que coisa, estava em minha mão agora há pouco. Não lembro de guardar. Bem, não está no bolso. Mas será que deixei em cima do filtro? Não está no filtro, não está entre os copos ou entre o micro-ondas e o filtro. É possível? Não, não está dentro da geladeira. Na panela do arroz, apenas o pregado do almoço. Portanto, certamente, estará no quarto, foi o único trajeto.

O quarto é pequeno e eu interajo sempre com os mesmos locais. Decido revistá-los antes. Próximo dos travesseiros não está, que foi onde deitei há pouco. Mas são quatro travesseiros (nem sei o motivo, sou apenas um). Afasto o primeiro; o segundo, coloco sobre a cadeira; o terceiro, arremesso de qualquer forma e o quarto já caiu - nada do celular.

Estou louco se não está entre as dobras do lençol! Esses lençóis, sempre escondendo nossas bobagens. Sacudo, sacolejo, requebro ragatanga de Angola com o lençol. Que faço? Desato, desta vez sob controle, e danço com a rede um tango. E de tango em tango me esqueço, vou esquecendo, simples e bobo. De repente me vem a noção do mal que é possível que eu sofra. Será um mal crônico? Esses degenerativos da memória? Mas há situações de parentes... Deus, Deus, Deus,tenho medo.

Resolvo largar de vez a rede e o lençol e torno a revirar os cadernos sobre a cama. Arre! Procuro até nos livros da escrivaninha ao lado, sem ordem, e as quinquilharias de beleza que minha mãe esqueceu um dia. Volto à cozinha, visivelmente chateado, pois, agora, além do celular perdido e o terrível futuro que – tenho certo - aguarda a minha memória, sei também que tenho que travar esta cruzada incessante entre cômodos, pois lembro que deixei o aparelho em modo avião para não ser incomodado.(Irônico. Mais aéreo, talvez).

Reviro o fogão, as prateleiras, os retratos de família na sala e as escovas de dente, toalhas, a gaveta de remédios no banheiro, e, enfim, o quarto. Novamente o quarto. Não é possível que não esteja no quarto, todos sabemos! Veja, já sinto-o vibrar, chamar seu alarme, mas nada escuto, assim como, dizem, dói o membro amputado no corpo, como se ainda dele fizesse parte. De cantinho de olho: central, em cima da cama, de bruços, solitário, repousa o aparelho, sonhando sonhos magnéticos sem saber de minhas buscas. Se fosse uma cobra...

Gustavo Rosal.

20/03/22. 





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