Bati com os dedos no velho teclado de marfim, na tentativa de descer a dor e descarregá-la nas roldanas que movimentavam a máquina. Mais uma linha à vista. Meu velho pássaro cantou mais uma vez, pedindo chuva.
– Entre a cruz e a espada, companheiro, essa é a nossa sina – respondi como um toque de mãos entre velhos amigos veteranos de guerra. Quase um desabafo. Na verdade, acabou o sendo, um desabafo. A liberdade é mesmo questão de opinião. Eu, deveras solto, não conseguiria, mesmo a muito esforço, assobiar com aquela vida toda. Cantar bonito mesmo preso é uma arte da qual eu gostaria de ter domínio, mas aprendi que nem tudo se firma ao nosso desejo. Antes disso, o acaso trata de dar suas piruetas. Nem sempre foi assim, mas não é difícil de entender.
Construir linhas é fabricar lugarejos e amores alheios onde alguns vão se identificar. Acabei refletindo isso enquanto meu café fumegante passava pela minha insensível garganta marcada pelo calor e pela fumaça. O peito acabou, nesses anos, igual à minha garganta: áspero, suportando mais um rio de cafeína e beijos na surdina. Acusei minha torpe ignorância. Ao longe, algo barulhento anunciava alguma diversão matreira na madrugada, creio eu que um casal em uma moto.
– Alguém vai amar hoje, pelo menos – pensei eu.
As linhas nasceram no boquejar do silêncio, traduzindo as falas das minhas outras vidas e dando vida às palavras que eu acabei morrendo sem dizer. Sempre tive curiosidade de saber quem amei na vida passada, se a tive, mas cresci com medo de mexer em terreno estranho. Já me bastam esses amores de hoje que sempre me deram algum trabalho e ninguém é suficientemente grande para falar de amor com propriedade. Esse será sempre o enredo desse frágil ofício. Foi mais uma linha.
Por pura metalinguagem, a mesma cena se repete, entre o perfume da menina e o movimento. Que seria isso? A velha diretriz do escritor, quer dizer, a busca do sentido das coisas, quase nunca definidas. Nasceram como filhos saindo do ventre, as linhas. O puerpério virá depois. Já tive muitos. A velha arma sempre funciona, quer dizer, mesmo o destroço por baixo da epiderme pode ser disfarçado nos sorrisos sinceros e transladado para as palavras, quase nunca claras, quase sempre um desatino, um mistério.
Por Jailson Júnior. Mais sobre o colunista AQUI
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