Nunca conheci lugar pra ter mais muriçoca do que no bairro de Fátima; talvez só o bairro São José. E como chamavam os mais antigos, Macacal. Era de manhã, de tarde de noite, sábado, domingo, dia santo. Era coisa de ficar num canto e em menos do que se esperava lá vinha um magote cantar no seu pé do ouvido. Não tinha, creio que até hoje seja assim, hora e lugar pra elas incomodarem.
Era inverno e verão e elas fazendo e acontecendo. Quando nascia um menino as mães já ficavam tristes com a mão na cabeça e se preparando com um mosqueteiro pra livrar a criança das agulhadas dolorosas e covardes daqueles insetos que não respeitavam cara, fosse rico ou fosse pobre. Mais de preferência filho de pobre, porque filho de pobre precisa ficar logo desde cedo com o couro grosso pra aguentar as lapadas da vida.
À noite elas vinham cantar no seu pé do ouvido tão logo as lamparinas eram acesas. E lá pelos anos de 1969 quando tudo em quanto foi casa ganhou luz elétrica, as muriçocas se passaram pra dentro de casa sem cerimônia. Quando apareceu televisão na Parnaíba elas assistiam novela e o Jornal Nacional, junto com a gente, na sala e dando opinião na vida dos artistas, na política e na vida alheia sem terem sido chamadas.
Sofrimento mesmo se deu foi com os pobres velhinhos do Abrigo São José, lá perto da vacaria do Ioiô Pires, na hoje deserta avenida Primeiro de Maio. Certa vez um conhecido meu foi lá por volta da boca da noite e em lá chegando as muriçocas estavam feito nuvem na cara dos pobres velhinhos. Tinha delas entrando na boca dos que nem tinham como se defender. Mais um pouco e elas comiam os pobrezinhos vivos.
Judiação essa. Não tinha um filho de Deus pra espantar. Não tinha ninguém pra levar um caneco d'água. Porque se existe gente que sofre e sofre mais que sovaco de aleijado, é velho em asilo. Vive rebolado pra cima e pra baixo feito mulambo. E falando em mulambo, tinha gente no bairro de Fátima que se danava a queimar pano velho pra espantar muriçoca. Tinha gente que queimava merda de vaca.
Mas agora as muriçocas ganharam nomes e sobrenomes. Andam de carro do ano, frequentam restaurantes, vão tomar caldo no Zé do Santos, ali perto do mercado, uma cervejinha e cachaça no Bar da Fefa ou encompridar conversa no Barbeirinho enquanto esperam a hora de serem atendidas. Tem muriçoca que passa a semana inteira no bar da Vera Coutinho. Falam de um tudo. De política ao futebol. Dão palpites sobre economia sem nunca terem estudado esta ciência.
Falam de traições, de quem fuma maconha ou cheira cocaína. Falam de quem é suspeito de andar pegando no alheio. De quem é corno ou tem filho viado e filha sapatão. Falam de Bolsonaro, do Wellington Dias, do Mão Santa. Criticam as decisões sobre esse negócio de armas de fogo. Falam agora dessa peleja pela posse da Agespisa e que ainda vai derramar muita água pelo caminho. Dão ideias pra desenvolver a Parnaíba e isso e mais aquilo. Pra essas não tem Baigon que dê jeito.
(*) Pádua Marques é jornalista, escritor e membro da Academia Parnaibana de Letras.
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