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Graciosa graúna e seus oito invernos - por Marcello Silva


Teu silêncio é o canto mais sublime que minha alma ouve, minha graúna, que alça voos infindos sobre as tardes tropicais. Tens no semblante observador todas as incógnitas do futuro e ainda assim, traz-me paz no instante presente em que rir, timidamente, entre dentes de leite e outros não (vão) .... Rir, rir no hoje, faz do agora seu voo rasante.

Oito invernos já. Oitos chuvas. Oito sóis. Oito primaveras. E não era ontem que estava nos meus braços tão pequeninha? Tão frágil... Tão sem plumagem? E agora rabisca no tempo a própria imponência e seu próprio voo. “Veja pai, minhas asas. Já quero voar”

Não. Não. Você é ainda minha pequenina graúna, querendo colo e com medo dos trovões. Meu peito sempre será seu ninho, quando você precisar vai está a sua espera, não importa a quantidade de invernos ou intensidade deles, estarei lhe aguardando para lhe agasalhar com minha própria pele, se preciso for.

Lembro quando te peguei nos braços a primeira vez: tive medo de você se desmanchar nas minhas mãos. E como se eu segurasse a própria essência de Deus. Morri e renasci naquele infindo instante de alguns minutos, talvez. Esqueci razão, proporção, tempo, distância... qualquer conceito. Era só eu e você no universo multidimensional. Quando retornei a mim, eu ri... eu sorri deliberadamente e desde então eu sorrio para te ver sorrir.

Das primeiras palavras pronunciadas; os primeiros passos; a primeira queda de bicicleta ao primeiro texto produzido ontem ou as resoluções matemáticas: é uma honra está ao seu lado e te auxiliar em seu processo de evolução neste plano, em seu voo pleno por estas planícies.... É uma dádiva, ave minha.

Concluo parafraseando Jose de Alencar[1]: “Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Cecília. Cecília, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da Jati não era doce como seu sorriso...”







[1] Escritor cearense (1829-1877). Autor do livro Iracema (publicado em 1865)








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