No meu tempo de infância, quase todo menino tinha uma baladeira no cós do calção. Pra onde se ia ela ia junto. E a gente quando se juntava e saía aos magotes caçando calangos pelos meios de matos era uma aventura e tanto. Era ver de longe um balançando a cabeça em cima de algum muro, monte de barro ou galho de árvore e a pedra comia! Aí vinha na gente aquela satisfação do caçador, a de ter conseguido derrubar a caça, muitas das vezes com pouca mira ou posicionado em lugar ruim.
Conheci excelentes caçadores de calangos. Não vou aqui dar nomes porque é pra algum que ainda esteja vivo acabe me cobrando autoria de façanhas. E a gente sabe que entre essa gente se gosta muito de se pabular. Mas como disse, voltando à caça de calangos os meninos daquele tempo, raros, eram bons de pontaria pra derrubar calangos. Calanguinhos, calangos cinza, pretos e até os mais birrudos e temidos, os carambolos, que segundo diziam, eram de correr atrás da gente.
E a baladeira tinha que ser boa. Feita de sola, talo de goiabeira e câmara de pneu de bicicleta. Eram afamadas as baladeiras que eram de câmara de pneu de caminhão ou de trator. E havia até quem tivesse baladeira feita de câmara de pneu de avião, as mais difíceis. Vendo o bicho, era esticar o braço, fechar o olho esquerdo, mirar, soltar a pedra e ver o calango ciscando com as pernas pra cima estrebuchando. Servia pra nada depois. Naquele tempo não tinha esse negócio de ecologia, IBAMA, ICMBio. Nada disso. E se não tinha isso e mais aquilo, como é que haverá de ter advogado, defensor de calango? E a gente, nós meninos pobres, sem muito acesso aos brinquedos mais caros da época éramos mais livres, feito os calangos. E é desde esse tempo que me interessei em estudar esses bichos.
Eu até sou de opinião de que deveria ser criada uma disciplina nos cursos de graduação pra só estudar os calangos. Deveria ter uma ciência, uma faculdade particular pra isso. Acho um dos bichos da natureza mais interessantes. As reações de comportamento do calango são iguais aos de muita gente, pobres da periferia em época de campanha política, por exemplo. Alguém metido a cientista já disse, eu já ouvi e não sei se procede, que calango só tem no Piauí.
Outro dia estive vendo uns candidatos visitando bairros e fazendo zuada numa rua. Vinham uns assessores à frente entregando santinhos. Outros mais atrás e pelo meio carregando umas bandeiras com o nome e a cara do candidato. E no meio daquele monte de gente vinham eles, sempre achando graça pra tudo e pra todos. Abraçaram velhinhas e meninos barrigudos. Apertaram as bochechas de outro mais à frente e enquanto iam entregando os ditos santinhos. Até cochichando com velhos desdentados e fedendo a cigarro.
E aquela gente pobre, desempregados, mocinhas piolhentas, homens de calções encardidos jogando sinuca num boteco, mulheres com fraldas no ombro e meninos de olhos remelentos estavam ali abismados, balançando a cabeça que nem os calangos em cima do muro. Uns pedem um trocado pra ainda ir à feira.
Outros, um real pra um trago de pinga. E mais lá na frente outros mais cheios de vergonha até deixam o candidato entrar em casa pra, lá dentro darem uma ferrada maior. Outros, satisfeitos e iludidos com as promessas e os afagos vão balançando a cabeça e acreditando em tudo que os caçadores de votos lhes dizem. Eu acho que aquela gente tem alguma coisa com os calangos. Coisa de sangue, de família.
Pádua Marques - Jornalista e Escritor membro da APAL.
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