No Brasil, nas
últimas décadas, houve uma grande quantidade de emancipações de municípios,
processo esse influenciado pelo aumento demográfico e, consequentemente, por
uma maior fixação do contingente humano em áreas propícias a emancipações.
Ao longo da história,
desde a colonização, percebe-se um processo de fragmentação, resultado de um
arranjo territorial político e seletivo. Inicialmente, as unidades de menor
hierarquia na organização político administrativa do país surgiram de uma
evolução das comunidades a partir da ocupação territorial, com a expropriação
de terras dos nativos, visando à reprodução do capital mercantilista europeu.
No Ceará, a ocupação
do território aconteceu tardiamente, quando comparado ao restante do Brasil, como
uma extensão e em subsídio às atividades canavieiras na Mata Atlântica,
primeira porção do território nordestino colonizada.
As análises
históricas sobre a ocupação do território cearense referem-se a duas
possibilidades: uma decorrente da imigração interna, ou dos deslocamentos das
atividades subsidiárias à economia principal da Colônia; ou aquela referente à
defesa do território contra as investidas de outros países europeus
interessados em explorar esta porção da América recém descoberta (IPLANCE, 1982).
Sem entrar no mérito da questão, considera-se que ambas as situações
contribuíram para a formação de cidades e municípios e merecem, portanto,
atenção neste trabalho.
Como consequência da
defesa territorial e dos aldeamentos, as vilas surgiram também por razões
econômicas, com destaque para a pecuária, com suas rotas e percursos no mercado
interno, além de seus efeitos multiplicadores. Pode-se observar, portanto, dois
grandes períodos de definição das primeiras células básicas do Estado, que
chamamos de configuração inicial do território, que estaria sendo formado pelas
primeiras 16 Vilas, que deram origem aos atuais 184 municípios cearenses. O
primeiro período foi relativo ao início da ocupação, referente à colonização
portuguesa e à retirada do indígena do território que seria destinado à
pecuária (de 1699 a 1762). No segundo momento, a atividade pecuária teria
desencadeado um fluxo comercial e de serviços a partir de seus produtos.
As vilas foram
erguidas à princípio nas regiões litorâneas, ratificando a hipótese de defesa,
tendo em vista que a economia pecuária nascente se fazia no sentido contrário,
do sertão para o litoral, ou internamente no sentido leste e oeste, quase que
reconfigurando os caminhos dos primeiros migrantes baianos e pernambucanos.
Foram poucos os casos de Vilas erguidas para a defesa do litoral cearense: a
Vila de Aquiraz, criada em 1699 e a de Fortaleza, em 1725. As vilas oriundas da
penetração pernambucana, com um raio de ação maior sobre o território cearense,
surgiram do movimento leste-oeste, do Aracati (1747) em direção ao território
do Piauí, espraiando-se também do norte para o sul, saindo também do Aracati,
pelo Jaguaribe, até a vila de Icó (1735).
A penetração baiana,
por sua vez, teria sido feita pelo sul do Estado, através dos vales dos rios
Salgado e Jaguaribe e passando por Crato (criado em 1762) até a Paraíba. Ainda
na fase das primeiras vilas, destacam-se aquelas que foram erigidas em função
do aldeamento indígena, que foram: Viçosa do Ceará (1759), Caucaia (1759) e Baturité
(1762) (vide Figura 1 e Quadro 1).
Destaca-se que até
1758, havia somente Aquiraz, Aracati, Fortaleza e Icó. Esta data corresponde a
um marco na instalação de Vilas, quando os aldeamentos indígenas foram elevados
a categoria de Vila e os povos nativos supostamente seriam igualados aos
colonos, de acordo com Pinheiro (2000).
Na segunda fase,
intensifica-se o criatório e a comercialização do gado, bem como o
beneficiamento da carne e do couro para o mercado interno, fatos que
impulsionaram a formação das outras oito primeiras Vilas. Na bacia do
Banabuiu-Quixeramobim prosperou a primeira Vila da região central do Estado,
que foi a de Quixeramobim (1789); As bacias do Acaraú e do Coreaú tornaram-se
os berços das vilas de Sobral (1766) e Granja (1776); assim como a bacia do rio
Jaguaribe deu origem às vilas de Russas (1799), Tauá (1801) e Jucás (1823);
finalmente, na bacia do Salgado foram criadas as Vilas de Jardim (1814) e
Lavras da Mangabeira (1816) (Figura 2).
Assim, em pouco mais
de um século, entre 1699 a 1823, já havia uma relativa concentração
populacional e de Vilas ao longo dos rios Jaguaribe-Salgado, Acaraú e do
Coreaú, com menor destaque para as bacias do Banabuiu-Quixeramobim, como mostra
a figura supracitada.
Cabe destacar que, o
Ceará, com seu espaço quase que totalmente exposto ao regime de semiaridez,
encontrou possibilidades de pecuária extensiva ao longo das margens de seus
rios intermitentes. O historiador Geraldo Nobre comenta que as sesmarias
ocupavam as margens dos rios de forma perpendicular, talvez para possibilitar
um maior número de beneficiados com este recurso tão escasso no semiárido, que
é a água.
Em síntese, quando se
quer reportar a este quadro inicial que conformou as primeiras Vilas do
território cearense com suas fronteiras, tal qual hoje o conhecemos, pode-se
atribuir ao fato econômico da pecuária extensiva e de sua comercialização, além
do beneficiamento de seus principais produtos (carne e couro). Uma produção que
reunida à do Piauí, foi levada em direção aos mercados interno e externo, tanto
por deslocamento interno quanto utilizando transporte marítimo. Tais
trajetórias comerciais teriam expandido os movimentos de instalação de
fazendas, bem como haveria fomentado pontos de entrepostos e de portos
marítimos para circulação dos principais produtos exportados e importados,
definindo rotas que ligavam os diversos quadrantes do território cearense.
Neste mote, nota-se a influência do poder
político e econômico da pecuária de corte em algumas vilas, que facilitou o surgimento
de outras, oriundas de povoados próximos ou mesmo distantes daqueles das sedes
dos termos, pelo caminho das charqueadas ou nos locais de encontros de
viajantes e vaqueiros. A fragmentação territorial do Ceará foi acentuando-se
progressivamente por meio de Cartas, Ordens e Alvarás Régios, Resoluções
Imperiais e Provinciais, Leis Isoladas e Leis Gerais de ordenamento
territorial, estas últimas editadas até o ano de 1951.
No decorrer deste
processo, já no século XX, muitos foram os municípios emancipados a partir de
distritos, que em virtude do abandono político, buscaram autonomia
administrativa e financeira. Nota-se que tal abandono, estava expresso mais
claramente na escassez de recursos financeiros para investimentos fixos no
espaço, como melhoria de rodovias, construção de postos de saúde, de escolas,
infraestrutura econômica e outros.
Neste contexto
historicista, menciona-se que as vilas foram as menores unidades territoriais
com autonomia política e administrativa, característica do território brasileiro
em formação, da fase da colonização até o final do século XIX. A vila é
equivalente a um município na divisão administrativa de origem romana, cuja
designação foi adotada na Península Ibérica e transferida de Portugal para suas
colônias, conforme Furtado (2007, p.202-203).
Ainda nesta perspectiva histórico-geográfica, designava-se como termo “o território da vila, cujos limites são imprecisos; tinha sua sede nas vilas ou cidades respectivas; era dividido em freguesias (que é um conceito eclesiástico) [...]” (op.cit., p.203).
A partir de tais
conceitos, pode-se entender melhor a Carta Marítima e Geográfica da Capitania
do Ceará, elaborada por Antonio Jose da Silva Paulet, em 1817, sobre a qual se
trabalhou os principais destaques (Figura 3). Nesta Carta, os territórios de 13
das antigas Vilas são delimitados e considerados como Termos, cujas sedes lhe
prestam o nome. Verificam-se algumas diferenciações em relação à Figura 1,
construída para representar essa fase inicial de configuração do território
cearense.
À primeira vista,
cada um dos 16 municípios que formaram as células básicas originais do
território cearense está representado nesta Carta de 1817, com exceção das
vilas erigidas posteriormente a esta data que, na ocasião, ainda eram povoados:
a Villa de Lavras da Mangabeira (antigo Povoado de São Vicente de Lavras),
incluída no Termo da Villa de Icó. Outros dois casos chamam ainda atenção:
Caucaia (antiga Villa de Soire) por não possuir um território delimitado,
fazendo parte do Termo da Villa de Fortaleza; ao contrário, Baturité (antiga
Villa de Monte Mor O Novo), apesar de estar delimitado por território
específico, não estava sendo identificado como um Termo e nem fazia parte de
outro.
Assim, o
desenvolvimento e a evolução político-administrativa do Estado estiveram e
estão relacionados às atividades sociais, econômicas, políticas e culturais que
se desenvolveram a partir deste período colonial. As primeiras Vilas se
firmaram como células básicas originais, com múltiplas funções dentro da economia
pecuária, como: produtoras, comerciais, administrativas, industriais e de
serviços. Algumas com mais de uma função adotada em períodos diferentes, e com
movimentos de crescimento e de estagnação na história do Ceará e do Brasil, tal
qual se pode acompanhar nos desdobramentos seguintes sobre o território
cearense. (figura 3)
Neste contexto, o
Ceará passou por um acelerado processo de fragmentação do território em
unidades político-administrativas em diversas temporalidades, fruto da criação,
incorporação e/ou extinção de municípios. Isso ocorre em virtude de uma gama de
fatores das mais diversas ordens que modelam o quadro territorial.
Assim, o
desenvolvimento e a evolução político-administrativa do Brasil e,
concomitantemente, do Estado do Ceará, estiveram e estão relacionadas às
atividades sociais, econômicas, políticas e culturais, que vêm se desenvolvendo
desde o período colonial e que ainda hoje perduram no cenário político.
Ao longo da história,
percebe-se um processo de fragmentação resultante de um arranjo territorial
político e seletivo, pois as unidades de menor hierarquia na organização
político-administrativa do país surgiram, efetivamente, de uma evolução das
comunidades a partir da ocupação territorial, bem como da implantação de
infraestrutura de equipamentos públicos e privados nesses espaços.
Vale salientar, que
essa fragmentação do território se consolidou de maneira heterogênica, pois não
houve uma consolidação e atualização das leis definidoras das divisas em um
único documento Legal, mas sim a partir de Leis escritas em diversas
temporalidades, o que ocasiona sérios conflitos territoriais e administrativos,
com destaque, principalmente, na desobediência administrativa da gestão
municipal.
A desobediência
administrativa é caracterizada por uma ingerência municipal e identificada pela
comunidade quando suas necessidades de serviços públicos são supridas por
Prefeituras vizinhas, devido à falta de conhecimento dos seus limites
territoriais ou por intenções políticas. Pode também ser identificada quando
técnicos do Governo (Federal, Estadual ou Municipal) realizam suas pesquisas de
campo, para fins administrativos ou para estudos geosocioeconômicos e
políticos, como é o caso dos levantamentos censitários, estudos cadastrais e
planejamento governamental, e ainda, na realização de mapeamento dos
territórios municipais que estão em desacordo com a malha de divisas
estabelecida em Lei.
Desse modo, a questão
dos limites territoriais do Ceará passou por alterações (Figuras de 4 a 7), que levam a uma reflexão mais aprofundada a
respeito desse tema, impulsionando o diálogo entre as entidades envolvidas com
essa temática, objetivando a investigação minuciosa do assunto bem como a
solução dos conflitos territoriais existentes.
Material
extraído da publicação: “A QUESTÃO DOS LIMITES
MUNICIPAIS DO ESTADO DO CEARÁ.” Produzido pelo Instituto de Pesquisa e
Estratégia Econômica do Ceará – IPECE. Ano 2012
Link do PDF da publicação
citada: http://www.ipece.ce.gov.br/publicacoes/QUESTAO_LIMITES_MUNICIPAIS_CEARA.pdf
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