O Tribunal de Contas da União (TCU) deu ontem parecer pela rejeição das contas do governo Dilma Rousseff (PT) em 2014. Por unanimidade, os ministros entenderam que o balanço apresentado pela União continha irregularidades que feriram preceitos constitucionais, a Lei Orçamentária e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
A decisão teve como base, principalmente, as chamadas "pedaladas fiscais", manobras que consistiram em atrasar repasses do Tesouro Nacional aos bancos para pagar despesas de programas sociais obrigatórios.
Foi a primeira vez, desde 1937, que o TCU encaminhou ao Congresso Nacional um parecer pela rejeição das contas de um presidente da República. Nos últimos 78 anos, o tribunal sempre havia aprovado, com ou sem ressalvas, o balanço da União enviado pelos presidentes. A oposição e setores rebelados da base governista no Congresso Nacional pretendem usar essa recomendação como base para um processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Caberá ao Legislativo, agora, julgar as contas de Dilma, seguindo ou não a opinião do TCU. Isso pode ocorrer só em 2016, o que agrada ao Planalto, que aposta numa possibilidade de esfriamento da crise política até lá.
Uma eventual reprovação das contas nesse âmbito pode tornar a presidente inelegível, com base na Lei da Ficha Limpa, o que impediria a petista de disputar cargos eletivos.
Anulação
A Advocacia-Geral da União (AGU) tentará anular o resultado da sessão do TCU em novo pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF). O TCU só iniciou a análise do mérito das contas do governo em 2014 após rejeitar, por unanimidade, o afastamento do relator do processo, Augusto Nardes, por suposta parcialidade e antecipação de voto. A AGU fez o pedido feito por causa da tendência de um revés, agora confirmado, na corte de contas.
Em seu relatório, parcialmente revelado à imprensa na sexta-feira passada, Nardes propôs aos outros sete ministros aptos a votar que dessem parecer pela rejeição. Ele argumentou que a defesa de Dilma não foi capaz de "elidir" as irregularidades apontadas pela área técnica do TCU.
Nardes explicou que as principais distorções detectadas somam R$ 106 bilhões. Para ele, além das pedaladas, em montante de R$ 40 bilhões, o governo descumpriu, indevidamente, a obrigação de contingenciar R$ 28 bilhões em despesas em 2014. Em ano eleitoral, também editou créditos suplementares sem autorização do Congresso, o que, opinou o relator, demonstrou o "desprestígio" do Planalto pelo Legislativo.
No caso das pedaladas, operações de crédito ocultas entre o governo e os bancos "distorceram a realidade fiscal". O ministro pontuou que a responsabilidade de Dilma nessas irregularidades é direta e ficou demonstrada recentemente, quando ela editou decreto autônomo para corrigir as manobras, indicando que essa tarefa era dela.
O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, reiterou no plenário que não houve irregularidades nas contas. No caso das pedaladas, principalmente porque supostamente faltavam em 2014 regras que as caracterizassem como infrações à Lei de Responsabilidade Fiscal. Ele alegou que, no debate das contas, a discussão política se misturou à técnica. "O TCU tomará sua decisão, mas não pode é artificiosamente transformar isso num movimento de cassação do mandato presidencial", criticou.
Sobre as pedaladas, termo que disse rejeitar, Adams afirmou ainda que práticas semelhantes foram realizadas no passado, ainda que em menor grau, e que nem por isso o TCU apontou cometimento de crime fiscal.
"Não existe meia operação de crédito, meia gravidez", comparou. O procurador-geral do Ministério Público de Contas, Paulo Soares Bugarín, ressaltou que as irregularidades são graves. "O quadro apresentado em 2014 representa uma piora significativa no quadro fiscal em relação aos exercícios anteriores", afirmou.
Polêmica
A decisão do TCU foi cercada de polêmica e a sessão de ontem quase não ocorreu. O governo impetrou no Supremo um mandado de segurança na última terça-feira, 6, e outro pedido de liminar na manhã de ontem, na esperança de que o ministro Luiz Fux, sorteado para o caso no STF, concedesse decisão postergando a apreciação das contas. Menos de duas horas antes do início da análise pela corte de contas é que Fux indeferiu o pedido do governo.
A AGU alegou, na segunda-feira, que o relator descumpriu a Lei Orgânica da Magistratura (Loman) e normativos do próprio TCU ao, supostamente, antecipar o seu voto e demonstrar parcialidade em declarações à imprensa. Para o governo, caberia declaração de suspeição do ministro e seu afastamento da relatoria, além da abertura de uma apuração disciplinar na corte de contas. Ao Supremo, o advogado-geral alegou que o TCU conduziu inadequadamente o processo para analisar o pedido de suspeição. Por isso, seria necessário suspender a sessão.
A sessão começou com a análise dos pedidos de abertura de processo disciplinar e de afastamento. Os ministros negaram os pedidos e decidiram, por unanimidade, manter Nardes na relatoria, seguindo voto do relator desse caso, Raimundo Carreiro.
Ele argumentou que o ministro, à imprensa, só explicou decisões já expressas por autoridades da corte e relatórios da área técnica. "Nada, absolutamente nada há nas manifestações do ministro Nardes que revele alguma novidade", disse Carreiro.
Dois lados
"O TCU tomará sua decisão, mas não pode é artificiosamente transformar isso num movimento de cassação do mandato"
Luís Inácio Adams
Advogado-geral da União
"( A gestão) feriu diversos dispositivos constitucionais e legais, especialmente a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)"
Augusto Nardes
Ministro relator do processo no TCU
Informações do Diário do Nordeste
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