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10 anos da morte de Rachel de Queiroz - O eterno amor pelo sertão

Para onde voltaria Rachel de Queiroz (1910-2003), se pudesse fazê-lo no dia em que completa 10 anos de morte na próxima segunda-feira, 4? Para o apartamento no Rio de Janeiro, cidade onde morou durante boa parte da vida? Para a casa da bisavó Miliquinha, na rua Senador Pompeu, em Fortaleza, onde apenas nasceu? Para o sítio Junco, em Quixadá (Sertão Central), onde de fato passou a infância?

Certamente para a fazenda Não-me-deixes, cuja casa construiu com o médico Oyama de Macêdo, falecido em 1982, o grande amor de sua vida e segundo marido. O sertão imenso daquela fazenda é o sertão bravio, o sertão da linguagem belamente matuta, dos costumes vaqueiros, de toda uma “lógica sertaneja” que está na prosa de Rachel.

“Quando digo a lógica do sertanejo, digo a relação de respeito ou de opressão, a palavra dada, a solidariedade, uma ética da colaboração, mas também do respeito, da confiança e da lealdade, valores que a gente costuma imaginar para o sertão”, afirma a professora do curso de Letras da Uece, Cleudene Aragão. Ela é autora do livro Rachel de Queiroz e Xosé Meira Vilas: vidas feitas de terras e palavras (Edições UFC).

Na avaliação de Aragão, ao longo da trajetória literária, Rachel manteve coerência artística. Soube se reinventar dentro daquele universo. Com linguagem enxuta e uma técnica de entrecruzamento de narrativas, criou histórias memoráveis como O Quinze (1930), seu debute literário, que escreveu escondida da família e pelo qual, já aos 20 anos, ganhou notoriedade nacional.

Viriam ainda As Três Marias (1939), contando personagens em formação; Dora, Doralina (1975), que traz uma mulher liberta,; Memorial de Maria Moura (1992), com foco na mulher absoluta que dá título ao romance.

Como se vê, uma penca de personagens femininas. E, como diz Aragão, todas elas revolucionárias. Fortes como a própria autora, relembra a também escritora Lourdinha Leite Barbosa, que frequentava a casa de Rachel. Em trabalho de mestrado, ela fez uma análise dos vários romances com protagonistas femininas. “Todas as personagens sofrem e muitas não conseguem realizar os sonhos”, destaca.

A veia radical que corria no sangue das figuras ficcionais também alimentava a vida de Rachel. Foi do Partido Comunista do Rio em 1931. Quando os correligionários exigem que ela modifique João Miguel (1932) para publicação, rompe com eles. É presa pelo explosivo Caminhos de Pedra (1937), livro eivado de crítica social, e fica três meses no Corpo de Bombeiros. 

Quando a esquerda não lhe parecia um bom caminho, rumou para a direita. Apoiou o Golpe de 1964, se afastou quando o general Castello Branco, seu primo, saiu do poder. Foi a primeira mulher a entrar na Academia Brasileira de Letras, uma casa inundada de homens. Criou o fardão feminino usado até hoje.

Após a filha que morreu ainda bebê, não teve outros descendentes. Não era religiosa, apesar das imagens de santo espalhadas pela casa. Nem relia seus livros. Detestava os romances passados, projetava os futuros com muita demora, enquanto escrevia cotidianamente suas crônicas para jornais no País inteiro, inclusive para este O POVO, da qual foi fundadora em 1928.

Para onde Rachel, uma mulher simples e irônica, voltaria? Em verdade, Rachel nunca se foi. Porque está marcada na literatura brasileira com seus livros, sua voz e também pelo poema de Manuel Bandeira, que a louvava assim: “Ninguém tão Brasil quanto ela, pois que, com ser do Ceará, tem todos os Estados, do Rio Grande ao Pará. Tão Brasil: quero dizer Brasil de toda maneira – brasílica, brasiliense, brasiliana, brasileira.”
Informações do jornal O Povo ONline