por Marcello Silva
E um dia revoltaram-se a mulas em
Chaval. Cansadas da lida e da vida oprimida que levavam na pacata cidade
interiorana. Elas estavam farta de sobrecargas de pesos; de sucumbir o dia
inteiro sob o sol quente sem direito a uma comida digna ou água fresca, sem
falar nas chicotadas que sofriam rua a fora, aquilo era humilhante à ‘classe
muleira’. Dali em diante estava decretado a revolução das mulas.
Chaval acordou diferente, ao invés
dos cantos dos pardais, ouviam-se zurros pelas ruas. A concentração foi
iniciada na Ponte do Lima seguindo a Rua Monsenhor Carneiro sentido Centro. Velhos
slogans eram adaptados: “As mulas
unidas jamais serão vencidas” e “uma por
todas e todas por uma” alem de alguns exclusivos: “por uma vida sem cabrestos”,
“queremos milhos e água fresca” etc.
Deu-se a algazarra
revolucionária, gritos (zurros) de protesto. Dentre as reivindicações estava:
trabalhar oito horas diárias com direito a vinte minutos de descanso a cada
hora trabalhada; transportar, no máximo, 400 kg incluindo o peso do condutor;
não receber chicotadas (uma boa conversa resolveria); não trabalhar aos
domingos...
O líder das mulas, de ofício nas
mãos – melhor dizer nas patas – foi impedido de entrar nos prédios dos três
poderes (Prefeitura, Fórum e Câmara) por motivos estruturais e óbvios, pois
esses edifícios não foram construídos para deleite de quadrúpedes.
A cidade amedrontada ficou refém
da revolução. O comércio não funcionou, uma vez que não se poderiam entregar
mercadorias em domicílio. A construção civil parou, pois faltava transporte
para transpor areia, cal, cimento... Tijolos e telhas não foram entregues.
Chaval padeceu este dia, era uma ‘Tróia traída por seu cavalo’. Se a Segunda Guerra
Mundial teve seu dia D, as mulas chavalenses também tiveram seu dia. Deixaram
de lado a vida fatigosa e foram, por um dia, pégasos saltitantes pela cidade.
P.S.: Dizem que até o chefe do poder executivo municipal decretou
estado de emergência na cidade por causa desta revolução.