Tudo cura o tempo, tudo
faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo ás colunas
de mármore, quanto mais a corações de cera! São as afeições como as vidas, que
não há mais certo sinal de haverem de durar pouco, que terem durado muito. São
como as linhas, que partem do centro para a circunferência, que, quanto mais
continuadas, tanto menos unidas. Por isso os antigos sabiamente pintaram o amor
menino: porque não há amor tão robusto que chegue a ser velho. De todos os
instrumentos com que o armou a natureza, o desarma o tempo. Aflouxa-lhe o arco,
com que já não se atira; embota-lhe as
setas, com que já não se fere; abre-lhe os olhos, com que vê que não via; e
faz-lhes crescer as asas com que voa e foge. A razão natural de toda essa
diferença é porque o tempo tira a novidade ás coisas, descobre-lhe os defeitos,
enfastia-lhe o gosto, e basta que sejam usadas para serem as mesmas. Gasta-se o
ferro com o uso, quanto mais o amor? O mesmo amar é causa de não amar e ter
amado muito, de amar a menos.
Fonte:
VIEIRA, Pe. Antonio. Sermões. São
Paulo, Ed. das Américas.