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DOURADAS PÍLULAS (Mario S Cortella)

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Curiosamente, toda vez na qual se inicia em nossa mídia o período mais intenso das propagandas eleitorais, é comum as pessoas se irritarem, reclamando da “invasão”, reagindo com sarcasmo e dizendo o popular  “me engano que eu gosto”. Cautela, ou, como se diria em outros tempos, alto lá! Essa é uma postura arrogante e ingênua, pois entende que os acobertamentos das reais intenções sejam uma exclusividade da publicidade presente no “mercado” da política, deixando de prestar atenção também na “política” do mercado, impregnada de douradas pílulas venenosas.
Quais são os mais comuns apelos do desvario materialista expostos à exaustão por algumas propagandas e desafiante para uma inteligência que ultrapasse a mediocridade? Carros que desenvolvem tanta velocidade nas estradas que se tem a impressão de que foram abolidas as leis de trânsitos; liquidações em shoppings com tão radical diminuição dos preços que antes eram cobrados que se fica imaginando o enorme “prejuízo” que as lojas terão; promoções de grandes redes de supermercados que anunciam vender tudo abaixo do custo a ponto de imaginarmos a anulação dos princípios básicos da ciência econômica  e a eminente falência desses grupos; cantores sertanejos proclamando a qualidade insuperáveis de móveis fabricados em escala industrial, levando-nos a supor que, agora sim,  com esses produtos, a casa deles está bem mobiliada.
Mais? Os exemplos de indigência mental mascarada ainda são muitos. Atores televisivos exaltando as vantagens de consócios imobiliários e mostrando como só assim foi possível adquirirem a casa mostrada ao fundo e, infelizmente, pudera ter “um teto”; heróis do esporte nacional recomendando o consumo de alguns complexos químicos  para sustentar a saúde e a vitalidade exemplar; artistas da exibição erotizante sugerindo a obtenção de silhuetas similares  as delas a partir do uso fugaz de aparelhos eletromecânicos e da ingestão de porções milagrosas; atores desejados e jovem recomendando beber, como eles, somente a cerveja que atrai todas as mulheres disponíveis, e insinuando serem todas (garrafas e mulheres) “one way” etc.
Precisas ter! Precisas comprar! Precisas experimentar! Precisas possuir! Precisas de tudo, a qualquer custo, de qualquer modo! Ora, promessas vãs, momentâneas alegrias, sentido descartáveis; é o reino das aparências, o primado da reclusão em uma insaciável procura por uma resposta que está além do consumismo tresloucado. Doce mel, terrível veneno...
É por isso que Santo Agostinho (354-430), principal teólogo cristão da Patrística e extremamente atual em muitas das reflexões que fez, escreveu na obra Cidade de Deus (ao pensar sobre a felicidade mais perene) algo que nos serve sempre: “Não pode saciar a fome quem lambe pão pintado”.
Bibliografia: CORTELLA, Mario Sergio. Não nascemos prontos: Provocações filosóficas. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2006.